segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Globais e Belo Monte

Por João José de Oliveira Negrão
 
Um vídeo muito bem produzido, com iluminação correta e sem erros de continuidade, com a participação de mais de uma dezena de atores globais, está causando certa polêmica nas redes sociais. Divulgado pelo movimento Gota D'Água – que tem em seu conselho várias das celebridades globais que aparecem na peça publicitária – o vídeo não quer a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
 
É importante tal debate, mas as várias cartas têm de ser postas à mesa. É fato que o Brasil precisa aumentar seu potencial energético, sob risco de não ver sua economia crescer o suficiente para a inclusão dos muitos ainda excluídos. Na balança dos custos ambientais, a energia hidrelétrica é, ainda, uma das menos poluentes e danificadoras. Portanto, discutir a matriz energética é fundamental. As alternativas sugeridas pelos atores – energia eólica e solar – ainda não têm tecnologia de produção energética em grande escala.
 
A sociedade brasileira precisa sempre lembrar do cuidado de não transformar o conservantismo em conservadorismo, que congela as relações sociais exatamente como elas estão dadas no momento. Há demanda real por energia na região norte e no restante do país e não é correto, também, querer impedir as populações de áreas remotas de terem acesso às tecnologias contemporâneas, que demandam energia.
 
Isso não significa dizer que não há nenhum custo ambiental, mesmo que o projeto de Belo Monte tenha tomado providências para mitigar tanto custos ambientais quanto sociais. Mas é preciso levar em conta a relação entre custos e benefícios, os interesses das populações locais – que precisam de eletricidade – e o interesse geral da nação.
 
Os "globais" que fizeram o vídeo que circula na internet abririam mão de conforto tecnológico alimentado pela energia elétrica? Muitos dos que manifestaram apoio a ele nas redes sociais – cujos computadores, smarts e tablets precisam de eletricidade – topam abrir mão deste mesmo conforto? Então, o debate é mais profundo e tem a ver com o padrão de consumo do Ocidente, mas não é justo que queiramos que "outros" deixem de ter o conforto tecnológico que "nós" temos, nem que a economia de determinadas regiões fique exatamente como está, sem poder crescer, por falta de energia

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 21/11/2011)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Doença e pequenez humana

Por João José de Oliveira Negrão

No sábado retrasado, de maneira clara, sem subterfúgios, foi anunciado que o ex-presidente Lula está com um câncer de laringe. E na semana que passou, parte das redes sociais e da mídia foi invadida por manifestações menores, de gente que, a pretexto de crítica, escarneceu da doença, acusou Lula de não se “tratar pelo SUS”, como se o fato de o ex-presidente possuir um plano de saúde que permite o atendimento pelo hospital Sírio-Libanês fosse um crime de lesa-pátria. Outros, implícita ou explicitamente, manifestaram sua incontida alegria com o sofrimento alheio. 

E que não se pense que a exposição pública do mais obtuso preconceito de classe e de falta de valores humanistas limitou-se a integrantes pouco esclarecidos da nossa sociedade. Não. “Celebridades”, professores universitários, agentes do Estado (como promotores) irmanaram-se no ressentimento mais tacanho. Assim agiram também certos jornalistas e colunistas: Lúcia Hippólito, da rádio CBN, disse que, para Lula, tinha chegado a conta de uma “vida desregrada”.

Felizmente, esta minoria ressentida (e, que fique claro, isto não é ofensa, mas um termo da psicanálise) não representa nem de longe o sentimento geral dos brasileiros, que de maneira geral são solidários. E a oposição oficial, também felizmente, portou-se com maior civilidade, ao menos publicamente. Um dos primeiros a sair em defesa de Lula foi o ex-presidente FHC, que atribui aqueles comentários a “uma espécie de recalque e eu não endosso isso”. Geraldo Alckmin e Roberto Freire, líder do PPS, também manifestaram solidariedade. José Serra, ao que tudo indica, não se manifestou.

Mas, como já disse Tom Zé, a burrice anda na esquerda e anda na direita. Se foi majoritariamente desferida por gente que poderia ser considerada de “direita”, a “campanha” de regojizo pelo câncer de Lula também contou com a participação de quem se considera à “esquerda” do ex-presidente. Igualmente tolas foram certas manifestações – também na internet – retrucando que, se Lula devia tratar-se no SUS, FHC devia abrir mão de aposentadorias maiores que o teto do INSS: uma “resposta” medíocre a uma campanha medíocre, irmanadas, ambas, pela despolitização.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 14/11/2011)